Olá pessoal, achei essa reportagem muito importante para o nosso tema e resolvi publicar aqui. Queria discutir com vocês a questão da veracidade e autenticidade das notícias publicadas nos jornais sensacionalistas, que é abordado pela entrevistada na parte em destaque do texto.
Substituindo o rótulo
Cristiane Lüscher
Não é novidade dizer que um grande número de profissionais da imprensa condena o jornalismo popular e rotula os profissionais que o praticam. No entanto, a opinião da jornalista Márcia Franz Amaral é diferente. Segundo ela “ os novos produtos jornalísticos populares exigem uma reflexão mais complexa por parte dos jornalistas”.
Com passagem por redações de jornais sulistas, Márcia é doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atualmente dedica-se a pesquisar o gênero popular na grande imprensa. A Editora Contexto publicou a primeira parte de sua tese doutoral, com o título Jornalismo Popular. É tutora do PET Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria e ainda concilia a docência do curso de Jornalismo e do mestrado em Comunicação Midiática dessa universidade.
Canal da Imprensa - O leitor popular consome esse tipo de jornalismo porque encontra o seu universo estampado na imprensa. Em decorrência desse cenário, qual é a intenção primordial do jornalismo popular?
Márcia Franz Amaral - As intenções do leitor e da empresa jornalística podem não coincidir. O jornalismo popular, pensado do ponto de vista da sua qualidade e de sua relação com os valores mais nobres da atividade, deve dedicar-se a produzir informações e conhecimentos sobre os fatos cotidianos do mundo que sejam de interesse da maioria, de maneira clara e contextualizada, de um ponto de vista que busque a atenção do leitor localizado em determinados estratos sociais. Os temas dos direitos sociais passam a ser prioritários e as temáticas que envolvem o entretenimento devem ser secundárias.
CI - A que se deve o crescimento do ramo? O aumento de programas televisivos e jornais impressos do gênero refletem alguma tendência?
Márcia - O crescimento do número de leitores de jornais populares ocorreu após 1994, com o Plano Real. As empresas jornalísticas descobriram um novo nicho consumidor, e hoje o jornal de maior circulação no Brasil, o Extra , do Rio de Janeiro, tem características populares marcantes. No Rio Grande do Sul, jornais como o Diário Gaúcho , da RBS, alcançam números inacreditáveis de leitores.
Já na televisão, os programas do tipo sensacionalista tiveram suas audiências reduzidas nos últimos anos e a maioria saiu do ar. Pode-se levantar a hipótese de que a fórmula sensacionalista - com linguagem chula e notícias inventadas, sem prestação de serviço e priorizando a cobertura do entretenimento - não tem interessado o público das classes C e D.
CI - Alguns pesquisadores caracterizam o jornalismo popular como didático, porque conquistou um público que não costuma ler ou assistir jornais. Tal afirmação é válida?
Márcia - Creio que o didatismo é uma meta do jornalismo popular, mas ainda não pode ser mencionado como uma característica a ser desenvolvida. Muitos jornais populares, ligados a empresas que também editam jornais de referência, publicam a mesma matéria em ambos, sem preocupações com a linguagem. Em outras situações, os jornais ainda preferem fazer matérias superficiais e descontextualizadas em função da dificuldade de explicar os fatos sociais -, complexos por natureza, em uma linguagem simples.
CI - O leitor popular é passivo ou cria vínculos com o jornal?
Márcia - Com certeza não é passivo, e cria vínculos com o jornal porque sente-se recompensado em algum momento. Na verdade, os jornais se utilizam de formatos que historicamente fizeram sucesso e tiveram popularidade para assim estabelecer vínculos com os leitores. O que não quer dizer que essas publicações respondem às necessidades informativas dos leitores. Mas se o leitor renova seu pacto de leitura diariamente (são jornais vendidos em banca), é porque deve se sentir beneficiado, mesmo que parcialmente. Muitas vezes, a cobertura de entretenimento (matérias sobre o mundo televisivo, por exemplo) chama muito a atenção. Em outros casos, a prestação de serviços exerce esse papel.
CI - Quanto à política editorial popular, quais os principais critérios para se pautar os assuntos?
Márcia - Um jornal popular precisa, sobretudo, falar de um outro ponto de vista em relação aos jornais de referência, já que a posição social, econômica e cultural de quem lê essas publicações é diferente. Assim, inclusive o perfil do jornalista contratado deve ser estabelecido, de maneira que a redação consiga cobrir o universo do leitor de forma mais adequada.
CI - O jornalismo popular pode ser considerado imparcial, já que dá voz à opinião dos cidadãos, deixando as fontes oficias em um patamar secundário?
Márcia - Nenhum texto jornalístico é imparcial, pois trata-se de um relato, um discurso sobre a realidade. Pode, é claro, buscar ser mais isento, envolver diversas fontes e ser eqüidistante de determinados interesses. Mas a consulta a fontes populares e a subestimação das fontes oficiais não garante que o texto reflita democraticamente as diversas posições. O importante é que o texto abrigue diversos pontos de vista. Muitas vezes, ao entrevistar um cidadão comum na forma de uma enquete, por exemplo, o jornal apenas reproduz uma opinião do senso comum, sem trazer elementos novos ou críticos.
CI - A imprensa popular cumpre sua função social, ou encara o poder que possui como estratégia lucrativa?
Márcia - A lógica do mercado rege a lógica jornalística, é constitutiva da atividade jornalística. Nenhum jornal surge sem um mercado correspondente. O grande desafio dos jornalistas é mostrar que é possível para as empresas jornalísticas alcançar o sucesso mesmo cumprindo as funções sociais do jornalismo.
CI - A maioria dos jornalistas enxerga o gênero popular como sensacionalista, ofensivo, e outros nem mesmo consideram como uma vertente do jornalismo. Existe fundamento para esse preconceito?
Márcia - Sim, se pensarmos em relação a produtos jornalísticos existentes até a década de 1980. Hoje, os novos produtos jornalísticos populares exigem uma reflexão mais complexa por parte dos jornalistas, sob pena de o raciocínio mercadológico dominar o jornalístico em função do descaso dos profissionais com o tema.
CI - Em sete de setembro deste ano, o Diário do Litoral, conhecido como Diarinho, trazia em sua capa a seguinte chamada: “Vadio que peneirou amigo ‘em brincadeira' vai pra jaula”. Jornais como este contribuem para a condenação do jornalismo popular ou não são configurados como jornalísticos?
Márcia - O Diarinho não representa as novas tendências dos produtos jornalísticos populares. Sobrevive com uma linha editorial do estilo Notícias Populares, mas é uma exceção que não serve de exemplo.
CI - As universidades têm cumprido seu papel de formar profissionais qualificados para exercer este jornalismo?
Márcia - Com certeza ainda não. Talvez neste ponto o próprio mercado de trabalho aberto com os novos produtos forje uma formação mais específica.
Cristiane Lüscher
Não é novidade dizer que um grande número de profissionais da imprensa condena o jornalismo popular e rotula os profissionais que o praticam. No entanto, a opinião da jornalista Márcia Franz Amaral é diferente. Segundo ela “ os novos produtos jornalísticos populares exigem uma reflexão mais complexa por parte dos jornalistas”.
Com passagem por redações de jornais sulistas, Márcia é doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atualmente dedica-se a pesquisar o gênero popular na grande imprensa. A Editora Contexto publicou a primeira parte de sua tese doutoral, com o título Jornalismo Popular. É tutora do PET Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria e ainda concilia a docência do curso de Jornalismo e do mestrado em Comunicação Midiática dessa universidade.
Canal da Imprensa - O leitor popular consome esse tipo de jornalismo porque encontra o seu universo estampado na imprensa. Em decorrência desse cenário, qual é a intenção primordial do jornalismo popular?
Márcia Franz Amaral - As intenções do leitor e da empresa jornalística podem não coincidir. O jornalismo popular, pensado do ponto de vista da sua qualidade e de sua relação com os valores mais nobres da atividade, deve dedicar-se a produzir informações e conhecimentos sobre os fatos cotidianos do mundo que sejam de interesse da maioria, de maneira clara e contextualizada, de um ponto de vista que busque a atenção do leitor localizado em determinados estratos sociais. Os temas dos direitos sociais passam a ser prioritários e as temáticas que envolvem o entretenimento devem ser secundárias.
CI - A que se deve o crescimento do ramo? O aumento de programas televisivos e jornais impressos do gênero refletem alguma tendência?
Márcia - O crescimento do número de leitores de jornais populares ocorreu após 1994, com o Plano Real. As empresas jornalísticas descobriram um novo nicho consumidor, e hoje o jornal de maior circulação no Brasil, o Extra , do Rio de Janeiro, tem características populares marcantes. No Rio Grande do Sul, jornais como o Diário Gaúcho , da RBS, alcançam números inacreditáveis de leitores.
Já na televisão, os programas do tipo sensacionalista tiveram suas audiências reduzidas nos últimos anos e a maioria saiu do ar. Pode-se levantar a hipótese de que a fórmula sensacionalista - com linguagem chula e notícias inventadas, sem prestação de serviço e priorizando a cobertura do entretenimento - não tem interessado o público das classes C e D.
CI - Alguns pesquisadores caracterizam o jornalismo popular como didático, porque conquistou um público que não costuma ler ou assistir jornais. Tal afirmação é válida?
Márcia - Creio que o didatismo é uma meta do jornalismo popular, mas ainda não pode ser mencionado como uma característica a ser desenvolvida. Muitos jornais populares, ligados a empresas que também editam jornais de referência, publicam a mesma matéria em ambos, sem preocupações com a linguagem. Em outras situações, os jornais ainda preferem fazer matérias superficiais e descontextualizadas em função da dificuldade de explicar os fatos sociais -, complexos por natureza, em uma linguagem simples.
CI - O leitor popular é passivo ou cria vínculos com o jornal?
Márcia - Com certeza não é passivo, e cria vínculos com o jornal porque sente-se recompensado em algum momento. Na verdade, os jornais se utilizam de formatos que historicamente fizeram sucesso e tiveram popularidade para assim estabelecer vínculos com os leitores. O que não quer dizer que essas publicações respondem às necessidades informativas dos leitores. Mas se o leitor renova seu pacto de leitura diariamente (são jornais vendidos em banca), é porque deve se sentir beneficiado, mesmo que parcialmente. Muitas vezes, a cobertura de entretenimento (matérias sobre o mundo televisivo, por exemplo) chama muito a atenção. Em outros casos, a prestação de serviços exerce esse papel.
CI - Quanto à política editorial popular, quais os principais critérios para se pautar os assuntos?
Márcia - Um jornal popular precisa, sobretudo, falar de um outro ponto de vista em relação aos jornais de referência, já que a posição social, econômica e cultural de quem lê essas publicações é diferente. Assim, inclusive o perfil do jornalista contratado deve ser estabelecido, de maneira que a redação consiga cobrir o universo do leitor de forma mais adequada.
CI - O jornalismo popular pode ser considerado imparcial, já que dá voz à opinião dos cidadãos, deixando as fontes oficias em um patamar secundário?
Márcia - Nenhum texto jornalístico é imparcial, pois trata-se de um relato, um discurso sobre a realidade. Pode, é claro, buscar ser mais isento, envolver diversas fontes e ser eqüidistante de determinados interesses. Mas a consulta a fontes populares e a subestimação das fontes oficiais não garante que o texto reflita democraticamente as diversas posições. O importante é que o texto abrigue diversos pontos de vista. Muitas vezes, ao entrevistar um cidadão comum na forma de uma enquete, por exemplo, o jornal apenas reproduz uma opinião do senso comum, sem trazer elementos novos ou críticos.
CI - A imprensa popular cumpre sua função social, ou encara o poder que possui como estratégia lucrativa?
Márcia - A lógica do mercado rege a lógica jornalística, é constitutiva da atividade jornalística. Nenhum jornal surge sem um mercado correspondente. O grande desafio dos jornalistas é mostrar que é possível para as empresas jornalísticas alcançar o sucesso mesmo cumprindo as funções sociais do jornalismo.
CI - A maioria dos jornalistas enxerga o gênero popular como sensacionalista, ofensivo, e outros nem mesmo consideram como uma vertente do jornalismo. Existe fundamento para esse preconceito?
Márcia - Sim, se pensarmos em relação a produtos jornalísticos existentes até a década de 1980. Hoje, os novos produtos jornalísticos populares exigem uma reflexão mais complexa por parte dos jornalistas, sob pena de o raciocínio mercadológico dominar o jornalístico em função do descaso dos profissionais com o tema.
CI - Em sete de setembro deste ano, o Diário do Litoral, conhecido como Diarinho, trazia em sua capa a seguinte chamada: “Vadio que peneirou amigo ‘em brincadeira' vai pra jaula”. Jornais como este contribuem para a condenação do jornalismo popular ou não são configurados como jornalísticos?
Márcia - O Diarinho não representa as novas tendências dos produtos jornalísticos populares. Sobrevive com uma linha editorial do estilo Notícias Populares, mas é uma exceção que não serve de exemplo.
CI - As universidades têm cumprido seu papel de formar profissionais qualificados para exercer este jornalismo?
Márcia - Com certeza ainda não. Talvez neste ponto o próprio mercado de trabalho aberto com os novos produtos forje uma formação mais específica.
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